domingo, 31 de julho de 2016

passado à limpo (5)

As fotos. Provam a junção, desafiam a que nos quedemos inertes, sem nos vermos. A do carro: revive-me uma ação instintiva e crua, inusitada, sem outro registro, e praticada com o único objetivo de esgotar-se na prática - o cheiro da mulher querida -, o gosto e o cheiro exalados para quem os provoca e que deles necessita como se isso operasse a suprema invasão da intimidade de quem anseia possuir como dono e como único. Não te preocupes e nem fantasies o que não podes controlar: eu estou vivo, bem vivo e ainda que me seduzam os grandes espaços vazios eu sempre te procuro, não porque quero, mas porque preciso. Preciso refletir-me em ti a provar-me que existo e existem essas sensações que só contigo se despertam. Não minto, nem faço devaneios. Tu ocupas o meu céu, invisível mas presente, pressentida, invasora, anelada a cada instante. Guarda-me. Tua carta mostrou-me que nos pacificamos na distância e que agora és capaz de mim como eu sempre fui de ti. E o após tua partida e foi quando os mundos que não deveriam se misturar se misturaram. Venci. Guado-te

passado á limpo (4)

Janeiro/....11.01 h Haveria de ser estúpido e doloroso que a nossa teia se desfizesse e não nos ligássemos como nos ligávamos então. Sobretudo se a causa de uma tal ruptura fosse exatamente os nossos universos particulares, já de nós conhecidos, aceitos e presentes. E tudo não passaria de uma aventura leve e fugaz, da qual saíssemos como se nada nos houvera afetado. Nós somos e vivemos uma aventura, porém densa, arrebatadora e na qual se mescla nossas experiências e as nossas idéias, e da qual não sairemos sem que, de algum modo, levemos em nós um pedaço um do outro; sem que nossas vidas, renovadas, incorporem indelevelmente a magnética força que nos atraiu e nos fez nascer de novo. 

passado à limpo (3)

22/09/.. 12:32 para ler dentro de um avião, quando do regresso à realidade. Aí onde você está o tempo não existe, ou se situa exatamente entre uma partida e uma chegada. A dez mil metros de altura a terra é uma ficção e o que há de concreto, unicamente, são as linhas que, se originando de você, tocam os pontos, na terra (?), que você deseja tocar. Aí um trubilhãio de pensamentos revolve e embaraça a sua cabeça e você nem sabe se partiu ainda ou se já chegou. O zumbido das turbinas, a artificialidade dos objetos, as comidas em estranhas embalagens são as únicas coisas que a prendem à realidade. Ali uma nuvem, acolá o azul do céu, lá embaixo a linha curva de um rio como que a abraçam, de início suavemente, e mais forte depois, e mais ainda, e a sensação de perda, e o assomo de uma dor indesejada tornam-na consciente de que você era absolutamente inteira, nova e feliz naquela pequena parte sua que nasceu de uma explosão, e que ficou aonde agora você já não está. Você continua seguindo uma linha reta, e de certa forma a conforta saber que já agora nem uma ação é fisicamente possível para você. Deixa que a levem como se isso fosse a absolvição de sua perda. Mesmo este sinais nesta folha, que expressam mensagem que só você decifra, levitam no papel, caem pela sua roupa, e você já não é capaz de discernir se vieram de ontem ou foram feitas para amanhã. O zumbido continua e a linha reta está sendo inexoravelmente percorrida até o seu destino. Acaso é válido indagar porque inexoravelmente? Terá sido inexorável a intersecção desses nossos dois mundo? Seria inexorável que nos arrancássemos um do outro, deixando em cada um de nós metade em carne viva, rubra de sangue, exposta, e dolorosamente inimaginável de cicatrizar? Terá sido, quem sabe, inconsciente mensagem o que nos fez superamos de nós em função do que se põe como atitude responsável e correta? Terá sido a inexplicável pasta cultural, em que nos desenvolvemos e que elege a dor e a renúncia como instrumentos do progresso, e que nos fez aceitar, bovinamente, o inexorável e imperscrutável desse negrume que já agora nos vai consumindo? E alguns há, poucos, que rompem essa teia, afrontam tal sistema e escapam ninguém sabe para onde. São os proscritos? São os felizes? Escapam para si próprios? Destroem e lançam, no mesmo estado em que estamos nós, os que a eles se encontravam ligados? Já gora o avião sacoleja , e é bom que o faça pois estes últimos pensamentos nos sacoleja ma nós por igual. Eu não vim trazer respostas, sou apenas, e sempre e por inteiro, a metade arrancada de você, de olhos ardendo e com grossas lentes de lágrimas que não me permitem enxergar direito; eu que nem nome tive, que não fui chamado uma vez sequer, mas que estive presente, que estou presente, que estarei presente toda vez em que você for capaz de se despir das roupas que lhe impuseram a pensar em você como uma unidade. Lá eu já estava, estive, estou, eu e você sabemos que estarei, sem nome e sem ser chamado, pois não se nomeia e nem se chama o que é, o que está, e o que sempre foi. 

passado a limpo (2)

Isso não é uma quebra de palavra: comprometi-me a não telefonar até Sexta, e não telefonarei; mas escrever, sabendo que você terá esta carta em mãos na Quinta, isto é, na véspera do dia marcado, e, quem sabe, podendo ser fator decisivo na implementação dois planos que nos satisfazem, isso eu devo fazer. Porque a decisão do silêncio, é a meu ver, é falha desde o início: jamais, por si própria, alcançará o objetivo desejado. Se provar que a falta foi suportável, ou foi nenhuma, não foi o silêncio a causa, mas a diminuta expressão da minha imagem em você a razão desse efeito. Se foi dolorosa, porque o pensamento grudou no silêncio como se quisesse fendê-lo em busca de alguma mensagem, então o sofrimento foi inútil. De qualquer modo, se a suas razões estão a exigir conduta no sentido de me expurgar de você, da sua vida, do seu dia a dia, ainda penso que o modo mais eficaz é uma rápida e incisiva "carga de cavalaria" nas "fileiras do inimigo". Destruindo suas linhas de suprimento e de comunicação. Mas sempre há de ficar a destruição, os pastos queimados, os jardins pisoteados, o vazio; e há de levar muito tempo antes que volte a ser como antes. Será que antes era melhor, mais colorido e atraente do que o turbilhão de cores, desejos, desejos e sentidos em que hoje você se encontra? Só você tem ou terá resposta para essa questão. Penso, também, que os quadros que constituem essa vida têm, sempre, dois sentidos: um aparente, outro obscuro. O primeiro diz respeito à apreensão média que todos realizam no ato de conhecer o mundo: é plana, envolta nos padrões e conceitos que definem um grupo social determinado, ao qual nos integramos. O segundo é interior, é pessoal, é tridimensional e representa o permanente conflito de afirmação entre o eu e o mundo. É o divino anseio de ser um, de querer sentir o chão sob os pés e saber dos rastros. E é difícil, muito difícil a tentativa de conciliar esses dois sentidos. O êxito é improvável, e aí residem os desencontros e frustações de todos quantos não souberam vencer este dilema. Este é o berço de todos os poetas e músicos e artistas. Também dos loucos e dos marginais. Dos vadios e das prostitutas. Desse útero nascem, igualmente, alguns poucos, raros, que assinaram a paz com os dois sentidos e são felizes. Nem afrontam em demais o mundo, nem permitem que os violem em sua individualidade. Simplesmente velejam ou flutuam estampando a paz e a segurança em suas faces douradas e iluminando a noite com os seus olhos de sol. Não fazem o mal nem apregoam o bem. Sabem que poucos, muito poucos terão ouvidos de ouvir e que não se maleficia os que não podem atingi-los. Daí eu escrevo. Eu sei e você sabe em que grupo eu me encontro. Antes eu a absorvia de um conjunto de forças contrárias que não me traziam sossego. Eram decisões a serem tomadas, que rompiam o equilíbrio em que me encontrava. Nesse quadro você era a fonte, a sombra, a relva, e eu sabia que todas asa imagens que fizessem estariam eivadas dessa aura, por mim criada, que a separava dos meus problemas e que a colocavam num pedestal. E esta era uma visão distorcida do sentimento e da realidade. Hoje eu destrocei aquela gama de problemas. Você já não é o meu bálsamo nem minha âncora. Entretanto, agora você é real, tem suas dimensões próprias e penetra em mim por sua própria força. Hoje você é muito maior e mais querida e o sentido que apreendo em você não é criado pelas circunstâncias, mas é cru, natural, tem cheiro de terra e é o que jamais poderia ser. Eis que a decisão do silêncio é inócua, não me fere nem me alegra. Sei que do outro lado da linha está você. Ainda que não desconheça estar no meio do seu dia a dia, ao final da linha o seu sentido é meu, é interior, e não me importa agora a limitação do tempo: é fora do tempo o que obtenho quando estamos juntos. E essas coisas não se medem com relógio. Não sugiro nada, não a aconselho a nada. Sei que não consigo o que quero sem que você concorra para isso. Mas não posso e não devo conduzi-la e aos seus passos para esse objetivo. Não haverá mérito para mim e não saberá você ussufruir dessã junção. Você é a minha fruta, eu sou o seu fruto. Nós não temos empregados, ou prepostos que nos façam a colheita, esta é uma lavoura de um dono só, eu de um lado, você do outro. A colheita é ato de amor e de dor e concerne apenas aos que se relacionam nesse mister. Não minimizo os seus problemas, não desconheço as suas dificuldade e nem relevo as suas alucinações oriundas dessa ausência. Todavia não descuro que você é sã, hábil e conhece, num momento, os seus anseios. Realizá-los é parte do seu caminho para si própria. Ou cerrar dentro de você esse universo em prol do primeiro sentido: Só que restará, nós sabemos, uma fone que não jorrou nem para você, nem para ninguém. Eu não posso lhe prometer nada mais do que tudo o que pudermos conseguir quando estivermos juntos. Mas algum movimento seu é necessário. Não pense que a estou deixando só: simplesmente na minha cabeça você nunca está só, está comigo, está em mim e eu estou em você. 

passado a limpo (1)

31.08.... Tenho vontade de te falar. Anseio por tuas palavras, que, como flechas vêm de longe, acertam-me por dentro e me aplacam. Descuro da razão que justifique tal "querência" e isso me incomoda, muito me incomoda, pois não perscruto este sentimento no seio de uma linha contínua, a minha existência. Por isso sinto essas coisas como flechas que traçam suas próprias linha, e nem são as flechas quem a traçam, mas quem as atira. As tuas palavras me soam cálidas e me confundem, me fazem bem. Ainda que eu não entenda serem dirigidas a um de tempo certo, a um que nunca fica e cujas mãos só por acaso são tocadas. Ainda assim me fazem bem. E me confundem, porque entremostram, sem pejo, sem temor, o íntimo de quem as dedica: são como gotas de uma ferida a clamar por ungüento. Eu sei que elas me fazem bem, e anseio por elas. Mesmo fechado o envelope, ali na gaveta, eu espero. E aguardo abri-lo, já que ele me fala de ti, diretamente ao meu cérebro. E aguardo ainda um pouco, que depois de aberto, e lido, tudo é passado, fixo na lembrança; é quando me corrói a recordação de que o tempo dividido não foi de todo consumido. Fazem-me bem, só eu sei como! E não tens medo do que me dás, de te fotografares pra mim. Eu, de tempo certo e de passagem. São meigas, expressam uma adolescência que, de resto, nunca perdemos. Mas são fortes e vêm com botas de dono a pisar um terreno de que se apropriam sem timidez, sem indagações. Tu me chegas de longe e trazes o caos para o de perto, sem questionar de causas ou de fins. O que mais me instabiliza e me confunde é não ter respostas para os fins, não perceber o para quê. Com isso tu ficas, nesse contexto, sendo a única certeza; e, ainda que feito um vagalume, que acende e apaga, eu tenho a mais absoluta convicção de que ele vai acender de novo, sabendo que estou ali, completamente feito de espera e de olhos abertos. Era bom, já, que eu falasse. Não para retribuir, que se não retribui dessas matérias; mas para revidar! Persisto em ser preciso novamente um tempo comum, e me consome divagar acerca de como se iniciará: primeiro o cheiro, que já conheço, o olhar de entrega e desafio, o contato da mão nervosamente úmida, o teu pescoço e a raiz de teus cabelos junto á nuca, depois, a proximidade dos teus lábios, calmo e vagaroso, sentindo cada milímetro quadrado dessa junção, e a tua saliva, a tua respiração, os teus fluidos e o teu calor de dentro e a explosão de luzes, cores, como caindo ou voando... Quero te ver então o olhar só olhando, nua feito um lago escondido num vale e te sentir como canteiro onde há pouco eu estava enraizado. Eu tinha de falar. Arremessar como cardos as minhas palavras e te perfurar de mim, que fui invadido de ausência e falta de respostas. Talvez assim se abra um veio e a veia flua essa torrente, deixando-me leve, plano, livre desse excesso que me sufoca e me desaglutina. Não me sabia de espaços vagos, e não te sabia como água. Quero a lepidez das minhas pernas, a ligeireza dos meus olhos e a imediata resposta das minhas decisões. Todavia não posso prescindir da sede, do calor e do cansaço, se tu és água, sombra e relva macia, e do teu lado eu posso destacar um segmento da minha linha e, estranhamente, sentir-me mais a mim que de outra forma. E falei.